quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Rua de duas direções

Pra ler ouvindo Kimbra

"Se eu for me apaixonar de novo, será só se tiver que acontecer. Se não, não vai" - mal sabia eu das palavras que proferia. Elas soaram como um sino no vazio e causaram mais estrago do que eu jamais poderia prever: de lá para cá, anos se passaram sem que eu me apaixonasse de novo, incapaz de ver algo digno de orgulho em alguém - mesmo em mim.

Eu nunca me arrependi de nada que fiz, porque já amei de verdade e intensamente. Já tive minhas histórias de flores com nomes românticos, de filmes em um sábado a noite e viagens em tardes de sol. Já tive histórias de sexo com amor, de seis transas em um dia, de elogios logo pela manhã. Nunca me arrependi porque foram reais, as histórias e os personagens - assim como foram seus finais.

Mas quando o amor se torna uma estrada de duas direções, a esquina é o lugar mais seguro de se ficar. Em cima do muro, indecisa. Porque não existe amor sem admiração e, se há dúvida, não há real razão para se dedicar.

"Você é tão indiferente!", eu ouvi de um dos meus amigos mais próximos. "Ou, se ainda sente alguma coisa, disfarça muito bem...", completou. E naquele momento, tudo o que eu queria fazer era sentir.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A fortuna e o passo

- Se me dissessem que ali em baixo estava a maior das fortunas, a minha espera, para ser minha, se eu para ela corresse, não apressava meu passo. Não saía desse meu passinho lento, seguro, prudente - que é o único que se deve ter na vida.
- Perfeito! Não vale a pena fazer um único esforço. Correr com ânsia para coisa alguma...
- Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder.
... Estou cansado, Carlinhos. Não se vê uma tipoia livre.
- Lá vai o americano. Se corrermos, ainda o apanhamos. 
-...Ainda o apanhamos. 


E correram, apressados, em direção à contradição. Porque afinal de contas, o que é a vida, se não isso?
*Trecho retirado do episódio final da série Os Maias, disponível aqui

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Função: Orientadora externa

Pulei o horário do almoço e fui direto ao terminal. Peguei o ônibus com destino à Ressacada, o estádio do Avaí, onde seria o show do Paul McCartney, sentei-me no primeiro banco vago e comecei a preparação psicológica: eu não veria o show de perto. Se tudo desse certo, ouviria do lado de fora do estádio, onde eu estaria trabalhando, organizando as filas.

O treinamento pode ser resumido à algumas frases: "essas camisetas são suas", "haverá alguém passando com água para vocês a cada meia hora ou uma hora", "não esqueçam a capa de chuva", "sorriam", "lembrem-se de dar atenção a portadores de necessidades especiais", "vocês receberão R$10,00 e 50 minutos para o lanche às 20h".

Nas doze horas que passei em pé, sorrindo, perguntando e repetindo "o portão 11 é por aqui, por favor", consegui chegar a algumas conclusões interessantes:
  1. O clichê da noite: a fila do show de um Beatle é, provavelmente, o lugar mais eclético e democrático que eu já vi. De hippies a metaleiros, todos sabem entonar ao menos uma canção em coro - e nessa hora, as diferenças deixam de importar;
  2. também é lugar para encontrar todo mundo que você já conheceu na vida: do amigo da faculdade e ex-chefes, até o seu professor de capoeira, de quando você tinha 8 anos. E ele vai te reconhecer;
  3. rostos parcialmente queimados são mais comuns do que eu imaginava;
  4. ser "orientador externo" é receber cantadas do tipo "tô precisando de uma orientação... de como chegar no motel... contigo".
  5. é aproveitar a única hora que você tem para sentar e comer para, em vez disso, ficar em pé, no meio da multidão, ouvindo e vendo o show enquanto ninguém chama a tua atenção;
  6. é ouvir do seu superior dizendo que você não está sorrindo o suficiente quando suas bochechas já estão doendo;
  7. é dar informações decoradas e repetidas, sem realmente saber pra que lado fica cada coisa, nem como funcionará o trânsito na hora da saída;
  8. é fazer amizade com os cambistas e aprender que uma capa de chuva pode ser motivo de briga;
  9. é esquecer todos os perrengues quando toca Live and let die e se emocionar com os fogos, mesmo do lado de fora do show;
  10. é ir embora a pé, na chuva e pensando "não valeu os R$100,00 que ganhei, mas já vai pagar 1/3 do meu cartão de crédito. E eu ouvi Paper back writer de perto, de graça".

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